João Furia e a arte do Systema

Systema: arte marcial russa que trabalha o desenvolvimento das habilidades naturais para a auto-defesa, saúde e cura (healing, health & combat).

João Carlos Furia é adepto ao Systema há 5 anos. Segundo ele, foi em algumas conversas com o porteiro de seu prédio, praticante e fã de artes marciais, que ele tomou curiosidade pelo esporte. Furia ficou fascinado por esse método desenvolvido pelos militares na antiga União Soviética, que pregava a aplicação de extrema eficência. Amante das artes marciais chinesas, “o Systema me despertou curiosidade e, em pouco tempo, já estava assistindo todos vídeos, lendo tudo que podia e querendo saber mais sobre o esporte”, comenta. Segundo João, a grande diferença entre a arte Russa e a Chinesa é que, por não ser um país completamente ocidental nem completamente oriental, existe, na Rússia, a influência do pensamento destes extremos. “Eles têm a mente aberta, estudam rigorosamente e fazem muitas experiências. É por isso que eles estão muitos anos à frente em diversos campos. Os russos revolucionaram diversas áreas do esporte, da ciência e da arte. E eu considero Systema uma revolução nas artes marciais”.

VladimirVasilievJoão Furia (de pé, moreno), treinando com um dos fundadores do Systema, Vladimir Vasiliev, durante seminário nos EUA. Créditos: Valerie Vasiliev

A Opera Corpis entrevistou João sobre os benefícios, as dificuldades e as curiosidades enfrentadas pelos praticantes de Systema. Acompanhe com a gente:

OC: Ao pesquisar sobre o Systema, o que te levou a praticá-lo?
Por incrível que pareça, foi para entender melhor Tai Chi Chuan e as artes marciais chinesas chamadas “internas”. Tai Chi Chuan é uma arte marcial, com aplicação real. Pouquíssimos ainda estudam esta arte de forma marcial. Esses estilos “internos” são tidos como o refinamento máximo do combate. Precisão, eficiência, controle. Ao ver os vídeos de Systema e ler sobre os conceitos envolvidos, fiquei com a impressão de que era um “Tai Chi Chuan para o mundo real”. Achei que os russos tinham chegado às mesmas conclusões acerca de postura, manipulação de articulações, geração de energia para impacto, entre outros conceitos; porém usavam outro método (mais prático) e tinham outras explicações (Física, Anatomia, Psicologia).

MaximFranz-2João em treinamento com o instrutor russo Maxim Franz, durante seminário em São Paulo.
Créditos: Rose Prado Fotografia.

Uma curiosidade: um dos roteiristas do filme “Kung-Fu Panda” foi treinar Systema justamente para se inspirar num estilo próprio para o personagem: algo em que ele pudesse usar suas características pessoais a seu favor e não dependesse de extrema habilidade, força ou velocidade.

Sendo assim, quando mais treinava e aprendia, via que um verdadeiro universo de conhecimento se expandia, as possibilidades de estudo são infinitas! Lidamos com combate em qualquer ambiente, com todo tipo de adversário, armado ou não. Aplicamos o método para sobrevivência extrema, para segurança, defesa pessoal; mas também para saúde, criatividade, bem-estar, auxiliar pessoas. Conheci gente do mundo inteiro, muitos grandes expoentes de diversos campos (artistas marciais, médicos, pesquisadores, atletas, estudiosos), tive e tenho acesso ao que existe de mais qualitativo em termos de informação sobre o corpo humano e movimento.

OC: Qual a diferença entre esse esporte e outras lutas marciais?
Antes de mais nada, eu defendo as artes marciais como um todo. Todas podem ser excelentes. Com um bom professor e um bom grupo, qualquer modalidade pode ser adequada à você. Cabe a cada um experimentar o que lhe atrai e eventualmente se encontrar neste tipo de atividade física. Todas podem trazer benefícios pelo lado físico, emocional e social. Então eu não digo que Systema é melhor que nenhuma outra. É a melhor para mim. Ponto. A diferença é na metodologia. É um “sistema” de fato, um método complexo com exercícios educativos específicos, que visam desenvolver o ser humano em todos níveis, por entender que um bom combatente é um ser saudável no corpo e na mente, mas também bondoso, justo e humilde.

 

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João em treinamento com o instrutor russo Maxim Franz, durante seminário em São Paulo.
Créditos: Rose Prado Fotografia.

Para isso, utilizamos um grande número de exercícios que visam despertar essas qualidades do nosso interior. Dizemos que no Systema aprendemos “de dentro para fora“, enquanto normalmente as outras artes ensinam “de fora para dentro”. Toda individualidade é respeitada e cada praticante acaba por desenvolver um estilo próprio de auto-defesa de acordo com suas características pessoais. Incentivamos a improvisação, adaptação, criatividade e a usar o corpo de forma orgânica, intuitiva. Não temos campeonatos, não temos faixas. Quase tudo refere-se à conhecimento do corpo e muita experimentação, onde você tenta descobrir as respostas adequadas à cada situação de acordo com suas características pessoais. Também não incentivamos competição, por isso não vemos os companheiros como oponentes, e sim parceiros de estudo.

OC: Conte-nos um pouco sobre as outras lutas que você praticava.
Fiz judô na infância, mas nem me lembro muito. Aos 15 anos comecei a treinar Boxe Chinês por influência de amigos e tinha um excelente professor também! Continuei treinando e durante o processo fui buscando o tradicionalismo do Kung Fu e Tai Chi Chuan por mais 15 anos. Porém, sempre me testava e tentava agregar conhecimentos em outras artes, portanto treinei de forma mais superficial Tae Kwon Do, Boxe e Jiu Jitsu, além do Combate-Corpo-a-Corpo nos Fuzileiros Navais. Hoje em dia, tenho o grande privilégio de fazer parte dos professores da Team Nogueira Perdizes, então pretendo manter meus treinos com os excelentes instrutores da casa. Além disso, procuro outras atividades físicas inteligentes em que posso aplicar os conceitos de Systema (postura, respiração, relaxamento, movimento) e adquirir um corpo saudável de fato. Então treino Pilates, Natação, Kettlebells, Levantamento de Peso e Calisthenics (exercícios com próprio peso do corpo).

Aula de SystemaJoão dando aula de Systema na Team Nogueira. Créditos: foto de arquivo pessoal.

OC: Quais são os benefícios do Systema para o corpo?
Depende do professor e do grupo. É preciso certa adaptação às necessidades e interesses gerais do grupo. Alguns são mais voltadas à qualidade de vida e são bem tranquilos, outros são mais exigentes fisicamente. Porém, eu citaria que em quaisquer dos grupos, após certo tempo de treino e dedicação, o praticante adquire um nível de consciência corporal altíssimo, que ele transfere facilmente para melhorar o desempenho em outras atividades e esportes, assim como as atividades do dia-a-dia. A pessoa passa a se vigiar mais e implementar bons hábitos, como respirar adequadamente, manter uma postura apropriada, executar movimentos de forma mais relaxada e eficiente, sem danos ao próprio corpo. Um corpo inteligente dá leveza às emoções; emoções leves deixam nosso corpo mais inteligente. É um círculo que se repete.

OC: Como é uma aula de Systema?
Antes de mais nada: acolhedora. Recebemos cada praticante como um amigo com quem vamos dividir nossas experiências e aprender juntos. Normalmente, uma aula compõe-se de exercícios de respiração para relaxamento, exercícios que visam trabalhar a mobilidade das articulações. Depois sempre temos outras dinâmicas, normalmente em duplas ou em grupo, onde treinamos a parte mais combativa, sempre com intuito de auto-defesa. São feitas de modo bastante didático, às vezes lúdico, passo-a-passo, até que a pessoa consiga deixar seu corpo agir cada vez de forma mais intuitiva e consiga improvisar. Ao final, costumamos fazer massagens de acordo com tradições russas e nos reunimos para conversar um pouco sobre a aula. A agressividade não é bem-vinda nem incentivada. O estudo da agressão, sim. Ganância, egocentrismo e auto-piedade não têm espaço no treino. Humildade, companheirismo e superação, sim.

OC: Quais são os exercícios principais e o que eles trabalham?
Repetimos bastante alguns exercícios básicos com diferentes padrões de respiração, velocidade, quantidade, etc. Assim entendemos melhor nossa estrutura e outros exigem bastante do nosso lado psicológico, porém superamos todos entendendo como relaxar e manter a calma. Muitas flexões de braço, pois nosso estilo faz bastante uso de socos; agachamentos, pois devemos trabalhar em todos níveis de altura; e exercícios abdominais, já que precisamos de estabilidade e postura para que nossos movimentos sejam eficientes. Também fazemos caminhadas, já que pregamos constante movimento e posicionamento adequado, assim como exercícios no chão, que costumam trabalhar diferentes partes do corpo que não utilizamos muito no dia-a-dia.

Aula de Systema 2

João dando aula de Systema na Team Nogueira. Créditos: foto de arquivo pessoal.

OC: Quais são os cuidados que esse exercício físico requer? E as principais lesões?
Eu diria que é necessário bastante atenção. Não dá pra fazer as coisas “de qualquer jeito”. Apesar da liberdade que pregamos, também é necessário disciplina, paciência e dedicação. É uma nova linguagem que estamos aprendemos, portanto cada segundo, cada milímetro em treino deve ser focado. Estamos sempre treinando, mesmo que estejamos sentados ouvindo uma explicação. Para avançar em Systema, é preciso certo grau de introspecção, pois aprendemos pelo “poznai sebia”: “conhecer a si mesmo”, em russo. Quando aprendemos a escutar nosso próprio corpo, estamos mais prontos a lidar com nossos parceiros. Para nós, o vencedor é aquele que é o melhor parceiro, que ajuda seu companheiro de treino a aprender. Sendo assim, posso dizer que nunca tive uma única lesão em minhas aulas. Diria que as únicas eventuais lesões que podem acontecer decorrem do contato que envolve uma situação de combate – treinando no exterior já vi ou já sofri: costelas quebradas, pulsos torcidos, olho roxo, dente quebrado… Às vezes acumulamos também vários hematomas no corpo quando treinamos muitos socos, mas isso é um sinal de tensão em nosso corpo. Com relaxamento, é mais raro ficar com hematomas.

OC: Qual a sua recomendação para um iniciante na atividade?
Humildade.

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